quinta-feira, 23 de abril de 2015

A MULHER E O TÁXI

"Joana uma mulher ao volante de um táxi"


É apenas uma entre algumas mulheres que (cada vez mais) vão aparecendo ao volante de um táxi. E não é por vergonha que "Joana" opta por um nome fictício, até porque facilmente conta a sua história a alguns passageiros. É a família e a pequenez do meio que impedem a exposição. Apesar de contraditório, prefere manter a sua frontalidade sem um rosto.

Quando tirou o curso de três meses para ser taxista, era a única mulher entre 20 homens. Na empresa onde trabalha continua a ser a única representante do sexo feminino. Mas "Joana" prefere não ver as coisas por esse ângulo. Só sentiu na pele a desconfiança dos colegas uma vez. “Mulher minha não andava aqui”, ouviu pela janela do carro. Resolveu o assunto como habitualmente. Fechou a janela e ignorou.
Antes das 8 da manhã, sobe a Calçada de Carriche até chegar à praça de táxis do Hospital Pulido Valente. É aí que normalmente apanha o primeiro passageiro e a partir dessa altura segue ao sabor dos restantes pedidos. Mas no volante quem manda é "Joana". Tem sido sempre assim.
Foi ela quem pôs fim a um emprego confortável e a um casamento porque começou a achar que “a vida não prestava para nada”. Foi ela quem montou um novo negócio com um novo amor (e ambos não resultaram). E foi ela quem decidiu abrir um salão de cabeleireiro, mesmo sabendo que isso punha em risco o casamento de então.
“Isso da emancipação da mulher para mim não pega. Se nos nos dedicarmos à profissão, o casamento fica para trás”. Se pudesse escolher, tinha hoje um casamento estável em vez de um trabalho. Não foi esse o caminho que seguiu e, para alguém que tem o romantismo em tão boa conta, não deve ser fácil.
Depois de perder quase tudo valeu-lhe o carro. Curou a depressão a conduzir. Guiava até ao Cabo da Roca e parava para pensar. Enquanto vendia tudo o que tinha sem preocupações com o futuro, uma brincadeira das amigas soou mais séria do que devia. “Tu davas uma boa taxista”, disseram-lhe. E ela nem se lembrava de alguma vez ter andado de táxi.
Na festa dos seus 49 anos conheceu um taxista e apaixonou-se de novo. E, mais uma vez, foi o trabalho que a afastou do amor. Contra a opinião do companheiro, Joana, com 50 anos, decidiu: se não arranjasse emprego até ao fim do ano iria ser taxista. Depois de uma entrevista de emprego desanimadora, encontrou uma mulher taxista na rua. A brincadeira das amigas tornou-se real.
"Joana" percorre as ruas sem a pressa atribuída à maior parte dos taxistas. Mas esta segurança engana: a profissão só lhe chegou às mãos há um ano. Mas também já tem sentimento de classe, fala no colectivo quando tem de falar dos problemas da profissão.
No caso dela é a pressão de faturar. Num monte de folhas guarda tudo o que ganhou desde o primeiro dia. Se num dia conseguir juntar 100 euros, fica apenas com 35. O resto é entregue ao patrão. E tudo isto em dias de trabalho de, muitas vezes, 14 ou 15 horas.
“As mulheres taxistas são pacatas”. Pelo menos as que conhece. “Não as vejo a dizer palavrões ou a jogar às cartas”. E esta última tirada é dirigida aos colegas homens. É na sensibilidade que "Joana" encontra a maior diferença entre as mãos de um homem e as de uma mulher no volante. “Acho que podemos dignificar isto”. Dá um exemplo: uma vez, nenhum colega aceitava transportar um casal apenas porque um deles se movia numa cadeira de rodas e o trajecto era curto. "Joana" foi a única a transportá-los.
Talvez por isso se mantenha afastada dos colegas. Amigos taxistas só tem três. “Aprendi que quanto mais calada e de vidro fechado eu estiver melhor”. Só quer trabalhar, estar sossegada, ir ganhando o suficiente para a renda, para ir de vez em quando ao cinema ou ao teatro, no pouco tempo que tem livre.Aguenta este trabalho porque precisa do dinheiro e porque a distrai. “Entrego-me demais também para não sentir solidão”. Mas "Joana" gosta do que faz. O trabalho já lhe “curou” as insónias, a espondilose e duas artroses na coluna. Se lhe oferecessem um novo emprego, com o mesmo ordenado e à frente de uma secretária ou fechada numa loja não aceitava. Gosta de andar por aqui e ali. “Em liberdade”. Para onde a levarem.
De: Frederico Batista " Sapo"


Nenhum comentário:

Postar um comentário